Parceiros Locais: não somos nomes no papel
Reflexões sobre ética, parcerias e poder local em projectos de desenvolvimento
Reflexões profissionais sobre “Parceiros Locais” e relações de consórcio em São Tomé e Príncipe
Este texto é dirigido a todos os profissionais de consultoria e actividades afins, profissões liberais – que se dedicam a ganhar o seu pão através de concursos públicos internacionais publicados pelas diversas agências multilaterais presentes no país. Esta nota é para vocês. Ao demais, também é para vocês.
Este tema já me acompanhava há anos e, há cerca de um ano, partilhei publicamente uma carta sobre estas mesmas preocupações, que, admito, possa não ter sido bem acolhida pela entidade a quem foi dirigida. Em boa verdade, ela não era nem é visada nem tampouco foco central das questões levantadas. A razão foi e é simples: é a mais relevante e a única que tem natureza pública – é braço da administração pública, com superintendência, tanto quanto sei, do Ministério das Finanças e dos Recursos Naturais.
Enfim, um dia o FVV poderá vir a fazer uma reflexão de fundo sobre o tema da ajuda ao desenvolvimento.
O que é certo é que, desde então, fui reunindo exemplos e reflexões – e hoje decidi partilhá-las aqui de forma mais clara e abrangente.
Perante algumas abordagens de última hora por parte de empresas ou consórcios internacionais, sem clarificar termos ou responsabilidades, que pretendem integrar “parceiros locais” apenas para satisfazer requisitos de urgência, sinto que é importante clarificar a minha posição profissional:
Um parceiro local não é apenas um “nome no papel”. É um actor-chave que:
Traz legitimidade e conhecimento local;
Facilita logística, envolvimento das partes interessadas e relação com as autoridades;
Representa a capacidade técnica e a expertise académica existente no país, em múltiplas áreas do saber;
Garante que os projectos respeitam e se alinham com as realidades e oportunidades do contexto nacional.
Estas abordagens de última hora são apenas uma face do desrespeito institucional que muitas vezes se manifesta nos contextos de projectos financiados por doadores e agências multilaterais em países como São Tomé e Príncipe (mas também noutras geografias). E são dois os fenómenos principais que me repugnam – e a que a minha resposta, sempre que contactado, é automática e felina:
1️⃣ “Last-minute calls” dirigidas a consultores ou capacidades singulares, que chegam sem aviso, sem clareza, muitas vezes tentando impor a urgência de terceiros como se fosse nossa.
2️⃣ Tentativas de firmar colaboração ou consórcio com empresas locais, baseadas numa presunção quase “primitiva” de que não teremos capacidade negocial ou consciência do nosso próprio valor. São abordagens em que:
Os honorários e orçamentos do líder de consórcio são secretos e enclausurados, para não revelarem as discrepâncias vergonhosas sobre o que cobram e o que sugerem aos locais;
O parceiro local fica reduzido a assistente ou subcontratado de circunstância;
O respeito e a legitimidade local são vistos como moeda de troca – e não como factores essenciais para o sucesso e sustentabilidade do projecto.
E depois, existe uma outra situação, esta mais directamente relacionada com a responsabilidade das entidades que publicam calls, bids ou tenders: a distinção quase “fascista” – falta-me termo melhor – que nos Termos de Referência distingue claramente o especialista internacional (líder) do nacional/local (adjunto ou assistente). Podem até ter estudado na mesma turma de engenharia ou arquitectura.
Nem vale a pena entrar nos honorários e afins – que falam por si – sob pena de ser chamado a responder (ou a gritar a verdade, como diria o outro…).🔸 Estou sempre disponível para colaborações estruturadas e estratégicas, desde que sejam previamente clarificadas e acordadas.
🔸 Não aceito abordagens que procurem transferir urgências ou responsabilidades mal definidas sem assegurar condições profissionais transparentes, justas e mutuamente benéficas.Esta posição reflecte uma ética profissional que valoriza tanto a cooperação internacional como o desenvolvimento das capacidades locais a longo prazo – elementos essenciais para o sucesso e sustentabilidade de qualquer iniciativa.
Convido todos os que tenham passado por situações semelhantes, ou que tenham outras perspectivas sobre este tema, a partilharem as suas reflexões.
Para quem quiser acompanhar outras ideias, pensamentos e provocações minhas sobre estas e outras matérias, podem seguir o meu Substack (subscrevam!)
Estas reflexões são parte do Flá Vón Vón (FVV), espaço onde partilho ideias e provocações sobre desenvolvimento e profissionalismo em São Tomé e além mar.
Com estima e profissionalismo,
Luisélio Salvaterra Pinto